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De Moçambique para o Brasil • Youtube liga países de língua portuguesa

A história de moçambicanos que criam conteúdos para brasileiros, contada em matéria do Estadão. Como o caso de Juma Ibraimo, que tinha como objetivo as notícias de figuras públicas de seu país, quando começou. Quanto a seus compatriotas Marcelino, Aurélio e Calton, se aventuraram com vídeos sobre a cultura africana.

Quando criou seu canal no YouTube, no ano passado, o moçambicano Juma Ibraimo, de 25 anos, tinha como objetivo divulgar notícias de figuras públicas de seu país. Já seus compatriotas Marcelino Francisco, Aurélio do Rosário Jr. e Calton Pedro, mais antigos na plataforma, se aventuravam com vídeos sobre a cultura africana, “reacts” a clipes musicais e até vídeos de mágicas. Os conteúdos planejados não fizeram muito sucesso inicialmente, mas, mesmo assim, os quatro jovens estão hoje na lista de maiores youtubers de Moçambique. A razão? O sucesso que, inesperadamente, passaram a fazer entre o público brasileiro.

FONTE: ESTADÃO

Com a vantagem de também falarem português, moçambicanos (a maioria de regiões pobres do país africano) têm visto seus canais explodirem nos últimos meses no Brasil com vídeos no estilo vlog em que mostram as condições difíceis em que vivem e as comparam com a realidade brasileira.

Entre os conteúdos de maior sucesso estão vídeos em que mostram comidas, produtos ou hábitos “de pobre” no Brasil, mas considerados “de rico” em Moçambique ou que relatam a dificuldade em ter acesso a serviços que no Brasil são considerados básicos, como ruas asfaltadas, energia elétrica e água potável.

O Estadão conversou com quatro dos maiores youtubers moçambicanos que têm produzido conteúdo com foco no público brasileiro. Todos relataram que a maioria de seus acessos vêm do Brasil e que, além de fãs fiéis, os brasileiros são engajados. Enviam doações via paypal que possibilitam aos moçambicanos comprar produtos básicos e ajudar pessoas ainda mais necessitadas de suas comunidades.

As aquisições e experiências vividas graças à ajuda dos brasileiros são apresentadas em detalhes nos canais, como no vídeo em que Ibraimo exibe a primeira vez que comeu pizza na vida – o prato é considerado caro e pouco acessível para os padrões moçambicanos, onde o salário mínimo é equivalente a cerca de R$ 330. O vídeo mostrando a ida à pizzaria – subsidiada pelos inscritos brasileiros – já tem mais de 550 mil visualizações.

Além de doações diretas via plataforma de transferências internacionais, alguns youtubers contam com a ajuda de admiradores brasileiros para criar campanhas em plataformas nacionais de financiamento coletivo, como o site Vakinha, ou disponibilizar chaves pix para facilitar doações em reais. O auxílio de brasileiros é essencial nesses casos porque é preciso ter CPF para tais operações. Os valores depois são transferidos aos estrangeiros.

Ibraimo, por exemplo, já conseguiu comprar um notebook com a vaquinha organizada pelos fãs no Brasil. Em seu canal, batizado de Conheça Moçambique, 90% dos visitantes são brasileiros. Com 226 mil inscritos, o canal é o maior de Moçambique com conteúdo voltado para o público brasileiro e, de acordo com listas informais, é o terceiro maior do país – e está próximo de ultrapassar os dois maiores, ambos com pouco mais de 240 mil inscritos.

O mais impressionante é que, há apenas dois meses, o moçambicano tinha apenas 10 mil inscritos. “Nunca imaginei que meu crescimento fosse ser tão rápido. O Brasil é um país com uma população muito curiosa, querem entender o estilo de vida de outros países e ajudar”, afirmou Ibraimo ao Estadão.

O jovem diz acreditar que as razões para o sucesso entre os brasileiros são a simplicidade, a objetividade e a persistência. Mesmo com dificuldades de acesso à internet, ele posta vídeos todos os dias e faz ao menos uma live semanal com seus inscritos. “A internet em Moçambique está muito cara, mas eu já cheguei a passar fome, mas não permitia ficar sem internet para postar vídeos”, contou.

Os youtubers contam que o preço e a velocidade da conexão são desafios no país africano. “Aqui é difícil alguém ter internet wi-fi em casa. É tudo pré-pago e acaba ficando muito caro. Chegamos a gastar o valor de um salário mínimo com internet. E a velocidade varia de 2Mb a 5Mb”, contou Rosário Jr., de 20 anos, cujo canal já tem 195 mil inscritos, com 70% a 90% dos seus acessos vindos do Brasil.

Outro youtuber do grupo, Calton Pedro conta que muitas vezes tem que usar o wi-fi da empresa onde faz estágio não remunerado para conseguir subir seus vídeos na plataforma. Dono do canal Africanidades CP, que tem quase 48 mil inscritos, ele concorda que o fascínio dos brasileiros por esse tipo de conteúdo está na curiosidade em conhecer melhor a África pelos olhos de locais e na comoção com algumas situações de pobreza e desigualdade.

“Eu tinha amigos brasileiros que achavam que a África é um país. Quando descobrem que é um continente com vários países, isso gera curiosidade. Também ficam comovidos ao saber que há coisas básicas para eles que, em Moçambique, são coisas que apenas pessoas que têm melhores condições podem ter, como um liquidificador. Acho que se comovem ao verem que eu consigo ser feliz, estou sempre sorrindo e que há muitos brasileiros que têm condições e vivem reclamando”, diz o africano.

Influenciadores têm viagem financiada ao Brasil

Com o sucesso entre o público brasileiro, alguns youtubers moçambicanos já conseguiram ter viagens ao Brasil financiadas por seus inscritos. Por meio de uma vaquinha feita por um fã, Rosário Jr. arrecadou R$ 9,2 mil para vir ao Brasil.  ao País. “Os brasileiros sempre me apoiaram. Em janeiro de 2020, me deram a ideia de criarem uma vaquinha para pagar minha viagem ao Brasil. Primeiramente pensei que era criar uma vaquinha no sentido literal”, comenta em tom bem-humorado o jovem, explicando que a expressão informal não é usada no português de Moçambique. Após entender o sentido figurado da palavra, ele aceitou a ideia e conseguiu um valor superior à meta de R$ 7 mil necessários para a viagem, que será feita este mês.

O jovem seguirá caminho parecido ao de Marcelino Francisco, considerado o pioneiro entre os youtubers moçambicanos com conteúdo voltado ao Brasil. O jovem de 24 anos tem 170 mil inscritos em seu canal e, desde 2017, tem como foco o público brasileiro, que hoje representa 84% dos seus acessos. Com o apoio dos fãs e a monetização de seu canal, ele já veio três vezes ao País. Na última delas, morou oito meses em Curitiba a convite de amigos.

“A partir do momento que vim para o Brasil, comecei a chamar mais atenção em Moçambique porque, para alguém de lá fazer uma viagem internacional, é difícil. A maioria que consegue depende de bolsas de estudo ou programas de intercâmbio. No meu caso, consegui viajar com o apoio dos meus inscritos e com o recurso que consigo retirar do canal”, conta ele.

O moçambicano disse que decidiu virar youtuber após tentar, em vão, conseguir um emprego em seu país. “Até cheguei a fazer estágio em uma empresa de transporte de combustíveis, mas, quando recebi o primeiro pagamento do YouTube com a monetização do canal, percebi que, até por ser em dólar, era um valor maior que o salário pago em muitas empresas. Não me deixei iludir na época, até continuei procurando emprego, mas a dificuldade em achar me fez olhar para a internet como solução. Hoje, com o dinheiro do YouTube, consigo pagar minhas contas e ajudar minha família”, relata.

Francisco também começou focando em vídeos que mostravam a pobreza e as condições difíceis de algumas partes de Moçambique, mas, após algum tempo, passou a destacar também a cultura, a gastronomia e as belezas de seu país. Nos últimos meses, com sua temporada no Brasil, tem feito vídeos sobre costumes brasileiros e suas diferenças em relação à cultura moçambicana.

O jovem virou inspiração para outras dezenas de compatriotas que lançaram canais nos últimos meses com conteúdo direcionado para o público brasileiro. “Hoje muitos criadores de conteúdo do meu país se concentram na questão da pobreza pois gera comoção, mas penso que também é preciso mostrar coisas boas, pontos turísticos. Não quero que as pessoas olhem para Moçambique e fiquem com pena. Temos riquezas, praias incríveis. É muito importante ter equilíbrio entre as situações comoventes e os potenciais do país”, ressalta.

Pandemia intensifica conexão, diz especialista

Para Eulálio Figueira, professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), esse movimento de exposição das condições de vida que desperta a vontade de ajudar é algo comum na atualidade e uma tendência que ocorre não só no Brasil, mas no mundo, tendo em vista o sucesso dos youtubers e de programas no formato reality show. Com a pandemia, isso pode ter se intensificado.

“Um dos vídeos desses canais fala da questão do menino de ajudar a irmã, que quer ter o conhecimento do sabor de uma pizza. Outro fala de uma ajuda que veio do Brasil para levar a mãe ao mercado para comprar coisas. As redes sociais trazem uma força muito grande nessa direção e, esse tipo de linguagem, quando tem uma fragilidade por causa da pandemia, encontra um terreno fértil para crescer, porque as pessoas estão tocadas pelas próprias sensações”, acrescenta Figueira. 

PAUL SAMPAIO CHEDIAK ALVES é professor, locutor, apresentador de rádio e TV, web designer e o criador da REDE SAMPAIO de Sites.

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